Muito próximos e muito distantes

Quando eu era pequeno, meu passatempo mais maravilhoso era jogar videogame.
Para meus pais, eram apenas jogos. Para mim, eram sonhos.
Era uma viagem interdimensional. Era o passaporte para o mundo das ideias.
Era um mergulho profundo em um espaço lógico e lúdico.

Finda cada viagem, um novo André seguia o caminho de volta.
Um André mais vivido, mais preparado.
Com mais sonhos, alegrias, horizontes.

Um dia, um computador chegou até minha casa.
Era como um videogame, mas eu podia modificá-lo, instalar novas coisas.
E mais um universo se abriu para mim!
Aquelas cores, caracteres, sons… Atalhos de teclado…

Naquela época, um computador te levava a outros lugares.
Um computador não te dava respostas, te dava perguntas.
A sua imaginação preenchia as lacunas.

Um dia, ensinaram-me a programar, usando QBasic.
Nesse dia, um novo universo se abriu para mim.
Os caracteres, os sons, as cores… Agora, eu mesmo podia fazer tudo acontecer.

Agora, eu podia criar o que quisesse. Agora, eu começava a contar a estória.
Agora, eu era o narrador e o personagem principal.

Assim, eu encontrei minha profissão.

Penso nos computadores até a década de 90 como similares aos livros infantis. A história que eles contavam vinha pela metade; era você que completava a história, e fazia sua própria história. Era uma via de mão dupla.

Talvez seja isso que tenha me fascinado na Informática. Ela sempre foi, para mim, um mundo novo a ser descoberto.

E, depois, vieram muitas outras coisas: jogos por modem, internet, e-mail, ICQ… Redes sociais, MSN, Skype… (imagine, conversar com qualquer pessoa do mundo por voz e vídeo, sem precisar pagar por isso!)

Depois, vieram outros jogos, vieram aplicativos pela web como Google Docs… E, mais recentemente, veio a nuvem, o Dropbox, o Google Drive, o GitHub…

Um dia, entraram em cena os smartphones.

E, então, por algum motivo, eu não quis mais brincar.

Por algum motivo, senti que a brincadeira tinha ido longe demais. Por algum motivo, senti que as soluções começaram a surgir antes dos problemas. Por algum motivo, senti a presença de caroço nesse angu, e não o quis mais no meu almoço.

Era como se alguma coisa ruim tivesse acontecido no cenário tecnológico mundial. Alguns fantasmas começaram a assombrar o que antes parecia belo. Alguns interesses começaram a sobrepujar o que era simples. A complicação tomou conta do negócio.

De repente, toda aquela promessa de conexão entre as pessoas começou a ser descumprida. De repente, todas aquelas possibilidades maravilhosas começaram a ser esquecidas. De repente, uma enxurrada de novas manias começou a dominar as pessoas, tornando-as escravas. De repente, o sistema não ficava mais da tela para dentro, e, sim, da tela para fora. De repente, o programa começou a programar o usuário e o programador.

Alguma coisa triste se tornou o padrão. O excesso de padrões tornou a coisa triste. A coisa se entristeceu de maneira padronizada. Os fenômenos se tornaram epidêmicos, as opiniões se uniformizaram, as individualidades se apagaram. As minorias se coletivizaram, os coletivos se venderam, os robôs começaram a agir como pessoas e as pessoas começaram a agir como robôs.

Algo muito esquisito está acontecendo com os usuários da Informática, que hoje são quase todas as pessoas. As pessoas estão buscando o caminho, a verdade e a vida em pequenas caixas eletrônicas, cada vez menores e mais cansativas para a vista. As pessoas estão clicando em botões cada vez menores, escrevendo em espaços cada vez menores. As pessoas estão vivendo vidas cada vez mais virtuais.

As pessoas estão buscando a felicidade fora do endereço 127.0.0.1. As pessoas estão buscando o sucesso em modelos econômicos e administrativos que nem compreendem direito. As pessoas estão repetindo palavras cujo significado nem conhecem.

As pessoas estão falando coisas demais, estão dando opiniões demais, estão fingindo que entendem coisas que não entendem. Estão querendo ficar bem na foto, sem nem ter ficado bem no fato.

O que houve com a Informática? O que houve com as pessoas? O que houve com o mundo?

Cadê aquela inocência dos caracterezinhos coloridos em baixa resolução, que se juntavam àqueles sonzinhos simples de ondas quadradas, fazendo um esforço enorme para causar boa impressão? Cadê aqueles sitezinhos em HTML puro, todos em branco e preto, cheios de informações extremamente concisas e interessantes? Cadê aqueles joguinhos criativos que aproveitavam ao máximo aqueles 640KB de memória, proporcionando viagens fantásticas ao jogador?

Tudo parece estar tecnicamente fácil hoje em dia, mas as pessoas não parecem ter sido preparadas para isso. Elas acham que podem tudo, que devem fazer de tudo. Só que, quando pode tudo, nada vale; quando tudo é feito, nada é fato. Perde-se em relevância, falta critério, decência, limite.

Acorda, mundo! Nem tudo é interessante, nem tudo vale a pena, nem tudo é aceitável, nem tudo é bom.

Estamos vivendo uma crise de relevância no mundo. Estamos num vazio moral. Estamos sem saber direito por que acordar de manhã e dormir à noite. Estamos sofrendo de depressão. Fazemos de tudo, mas não sabemos por quê ou por quem, nem o que realmente deveria ser feito.

Estamos muito próximos de mudanças muito distantes.

4 comentários

  1. maylabio disse:

    Olá! Gostei do artigo, mas não concordo muito. Como usuária da informática (e não como programadora) vejo as infinitas possibilidades que a tecnologia nos traz. Eu vejo também a desconexão com o mundo real, o querer mais parecer do que ser e a distância entre esse mundo e a natureza que tanto admiro e quero proteger (pois sou bióloga e educadora ambiental). Mas acho que as coisas boas se sobrepõem às ruins. Eu vejo tanta gente fazer tantas coisas bacanas hoje em dia, tantos negócios criativos interessantes, tantos projetos sociais e educativos sendo divulgados, tanta arte e cultura que antes não tínhamos acesso e que hoje milhões de pessoas assistem pelo celular, em qualquer lugar.. concordo que é preciso um equilíbrio, uma reflexão a respeito. Mas que tem muita coisa boa nesse mundo virtual – real, tem sim! E a transformação – essa já estamos fazendo! E com muita ajuda da tecnologia! 🙂

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  2. Priscila WIllik disse:

    Eu acho que uma certa decepção com o que vemos ao nosso redor faz parte do nosso processo de amadurecimento. E a decepção aumenta quando envelhecemos.
    Valorizar a própria vida, a das pessoas que amamos, a nossa família, vai se tornando prioridade e o resto passa a ter um caráter superficial. Vai perdendo a graça. Mesmo que, por outro lado, algumas vezes nos encantemos com novidades que parecem fantásticas e que prometem mudar o mundo.
    Bom mesmo é tentar manter um certo equilíbrio e ter muito bom senso na utilização das novas tecnologias. Afinal, elas devem ser nossas ferramentas e não o contrário.
    André, você é muito bom na exposição de suas ideias. Portanto, continue escrevendo.

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  3. Essa história de que jogo volta do lugar que parou estragou a educação infantil. Quando eu jogava tinha limite de vida, e se morresse em uma fase voltava pro começo dela. Isso definiu o caráter de toda uma geração.

    Agora a parte séria, sim temos hoje muita (muita mesmo) informação disponível. Isso deveria ter uma parte boa, que é conhecimento mais próximo, e tem uma parte ruim que é uma preguiça imensa de pensar. Quando eu digo “deveria ter uma parte boa” falo com pesar pelo fenômeno que veio com essa informação mais fácil, é a questão de você ter muita informação e não saber o que fazer com ela.

    Hoje a informação se resume a títulos e a memes. As pessoas não estão interessadas em saber como se chegou naquela conclusão, ou se ela faz sentido, ou mesmo se ela é verdadeira. Estamos com muita informação, mas de uma forma superficial. Basta dizer que uma pílula cura o câncer para uma presidenta liberar a venda. Oi? Ciência cadê você? Na política então, nem se fala. O Lula toda semana tem um apartamento novo na praia, e alguém do PT é delatado pelo tio do sobrinho do amigo do cunhado do vizinho da namorada de alguém.

    Estamos sofrendo de uma crise existencial, nada que não vimos antes em Roma, na Grécia, nas guerras mundiais, o que difere é que hoje essa crise é global, compartilhada entre todos aqueles que estão conectados. Qual será nosso fim? Sendo pessimista, a realidade virtual está batendo na nossa porta e um mundo tipo Matrix será nosso apocalipse. Sendo otimista, bem, não sou otimista então fim.

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  4. Vivian dos Santos Molina Valenti disse:

    Oi, Amor!
    Adorei as suas ideias, as suas reflexões, a sua forma romântica de falar de situações simples e complexas desse mundo.
    Concordo plenamente… Cada vez a distorção de valores é maior… E vivemos no meio disso…
    Perdemos o nosso tempo…a oportunidade de aprender coisas boas…de ensinar…de conviver com as pessoas queridas…de crescer…de evoluir…e de contribuir com a evolução do planeta…
    Parabéns pela sua linda capacidade de colocar amor nas palavras…e de fazê-las tocar o coração…
    Que Deus ilumine sempre os seus propósitos e que você possa espalhar sementes pelo mundo!!!
    Beijos,

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